Por Sónia Branquinho de Almeida
Turismóloga – Escola Superior de Educação de Coimbra
Mestre em Desenvolvimento do Turismo, Universidade de Aveiro
Phd student – Tourism, Leisure and Culture – Universidade de Coimbra
Esta rubrica pretende dar a conhecer o processo matrimonial nas diversas culturas, e abordar aspetos relacionados com o noivado, ligações familiares, tradições, indumentária e protocolo associado a uma das festas, transversalmente, mais celebrada no Mundo, a união de dois seres humanos.
Para dar a volta ao planeta, selecionámos África Mãe, com a nossa tão próxima Angola para iniciar o “Matrimónios pelo Mundo”.
Em África, a união pelo casamento sempre foi reconhecida com muito maior relevância ao nível cultural, tendo sido apenas tratada como um processo civil através de uma gradual aculturação trazida pelos colonos ocidentais.
O alambamento é assim, e na cultura dos povos bantu (1), o selo ou vínculo do casamento. E o que é isto do Alambamento? É a cerimónia tradicional, que no caso da cultura angolana se reflete como o segundo passo depois da apresentação do noivo à família da mulher. É a altura em que se entrega “o dote” exigido pela família da futura esposa, acompanhado de comidas, bebidas, música e dos sábios conselhos provenientes dos anciãos, tidos como “mais velhos” de ambas as partes, dirigidas aos noivos.
Quem se junta a uma mulher para uma vida a dois na sociedade mwangolé (angolana), sem dar à família (pais e tios) da noiva, o respetivo alambamento, é tido por intruso (fora da lei tradicional) e consequentemente desprestigiado, para além de outras implicações de ordem sociocultural.
(1) Os bantus constituem um grupo etnolinguístico localizado principalmente na África subsariana e que engloba cerca de 400 subgrupos étnicos diferentes.
O pedido (da mão da noiva), como vulgarmente é designado o Alambamento é ainda uma tradição cultural bastante forte e tão ou mais importante do que o casamento civil ou religioso. O alambamento é tratado com algum tempo de antecedência e exige algumas “reuniões” preparatórias com a liderança do tio mais velho da noiva, para que todos os pormenores do dote sejam “negociados”. O tio entrega uma carta com todos os bens solicitados de uma forma pormenorizada.
O dia do pedido é marcado e o noivo apressa-se em encontrar todo o material para que no dia não falte nada. E o que geralmente consta dessa lista? Primeiro entrega-se um envelope com dinheiro. A quantia que antigamente não era estipulada, atualmente varia ao equivalente, entre 300 euros e 1.000 euros, depende do que o tio estipular. Além do valor monetário é essencial que o noivo ofereça um coordenado de roupa completo para os pais da noiva e até um fato para o tio “líder” do alambamento. Deve oferecer tecidos tradicionais a que chamam “panos” e levar para “o boda” a altura da noiva em grades de cerveja e em paletes de sumo ou coca-cola, garrafas de whisky e vinho estrangeiro, um cabrito e até já exigem, mediante “o valor da noiva” terrenos, eletrodomésticos, etc.´
“Agora na carta do pedido ê
estão a pedir muitas coisas, mamã
Sapato sola seca, carrada de areia
Parabólica com 6 meses adiantados, panos do Congo
Cerveja do estrangeiro, se é nacional é mbora ancorado
Televisão de 60 polegadas
Chinês pra vedar terreno de 20 por 40!”
Letra Música “Kwanza Burro”, Matias Damásio (2012)
O tal “valor da noiva” aumenta, por exemplo, caso a noiva se encontre grávida, podendo o tio aqui “abusar” nas exigências. É costume dizer-se que o noivo “saltou a janela”. Saltar a janela significa que a noiva engravidou antes do casamento e claro, é justo que o pedido seja reforçado. No dia do pedido, os familiares do noivo juntam-se à família da noiva, fazem-se as apresentações e procede-se ao pedido de casamento.
De acordo com o blogue Muxima N´gola:
“Quando chega o dia, a família do noivo (pais, tios e irmãos) vai a casa da noiva e o tio da mesma, como se de um juiz se tratasse, apresenta toda a gente e informa de que se vai dar início ao pedido de casamento. Os pais da noiva convidam os pais do noivo a entrar e o tio dá início à leitura do pedido apresentado pelo noivo. Se o pai da noiva concordar com o pedido, o noivo terá de ir buscar o alambamento ou seja, aquela lista de coisas que juntou. O alambamento é apresentado e se tudo for cumprido é feita uma reunião para acertar a data do casamento e outros detalhes de natureza logística. Posto isto, canta-se e dança-se (não é por acaso que aparecem as grades de cerveja e de coca-cola na lista).
A partir deste dia, se tudo correr bem e não houver divergências entre as famílias dos nubentes, o casal de namorados passa a marido e mulher. Chegados ao casamento, alguns casais dão o nó trajados com roupas tradicionais, embora haja quem prefira vestir o clássico fato e gravata e as noivas o convencional vestido branco.